domingo, 10 de abril de 2011

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Bahia Cinematográfica – Levantamento da Produção Audiovisual Baiana

Este blog tá no ar desde o mês passado (abril), ele é um dos resultados de uma pesquisa de Iniciação Científica vinculada à Fapesb e FTC, da qual sou bolsista-pesquisador. O principal horizonte desta pesquisa, que se chama Bahia Cinematográfica – Levantamento da Produção Audiovisual Baiana, é a construção de uma fonte de dados, com perfil de referência, sobre o cinema da Bahia, orientada pelo objetivo maior da pesquisa filme a filme, desde os primeiros registros com o cinematógrafo, em 1909/1910 até o ano de 2006, quando se verifica a consolidação do Estado no contexto da retomada brasileira com o acúmulo de oito longas-metragens (quatro em fase de finalização) no período de cinco anos.
Ela pode ser encarada como um resgate memorialístico do cinema baiano, porque busca situar o agrupamento audiovisual local no conjunto de manifestações simbólicas e culturais da nação. Este acervo rico em títulos ainda ressente-se de ser pouco estudado. A escassez e o difícil acesso às informações básicas da cinematografia local constituem, de algum modo, parte do problema que o cinema baiano apresenta como elemento inerente a sua existência. A pesquisa, uma vez concluída, viabilizará o ponto de partida para um importante guia de referência sobre obras de qualquer período do cinema baiano, analisadas e classificadas sob vários critérios, entre os quais, o período de produção, lançamento, a relevância estética e histórica.
Dentre os resultados já alcançados por ela, estão:
· Diagnóstico parcial da produção cinematográfica da Bahia, com identificação e registro de aproximadamente 500 filmes e vídeos, produzidos entre 1909 e 2006, dispostos numa listagem genérica, em fase de sistematização que deverá permitir a consulta por diferentes chaves de acesso. Nessa lista preliminar, constam nomes dos realizadores, ano de produção, tempo de duração, bitola e outras especificações;
· Criação deste blog (
http://pensarcinema.blogspot.com) com o objetivo de ampliar a discussão em torno da linguagem do cinema e, de modo específico, sobre o cinema baiano e sua história;
· Concepção do projeto de um documentário sobre cinema na Bahia, em fase de pesquisa.

sábado, 12 de maio de 2007

Barravento e o cinema baiano


O longa-metragem Barravento (1962), de Glauber Rocha, faz parte do boom cinematográfico local assinado por Ciclo Baiano de Cinema.

Pois é, esse filme
, primeiro longa de nosso cineasta de maior reconhecimento nacional e internacional, completa neste ano 45 verões de sua estréia nos circuitos cinematográficos... não custa lembrar isso a nossa memória fugidia.

A memória é o instrumento que nos faz caminhar à frente. A falta dela dá força às teorias de que na Bahia não se fez, não se faz e muito menos se fará cinema - negação de uma história que existe e recente-se de reflexões desmistificadoras. Setaro escreveu o texto abaixo, achei interessante colocar aqui... devorem!


Setaro's Blog: Barravento e o cinema baiano

sábado, 5 de maio de 2007

Bahia de Todos os Santos

Fita rodada aqui na Bahia em 1959/60, Bahia de Todos os Santos, direção de Trigueirinho Neto, é filme pertencente ao boom da cinematografia soteropolitana detectada entre 1959 e 1962. Ainda que de autoria paulista, o filme pode ser enquadrado no Ciclo Baiano de Cinema porque passeia na tela uma certa baianidade, impressa pelos inegáveis traços da cultura local como o candomblé e a gente nativa da Bahia, e não apenas pelas imagens de lugares reconhecíveis.

Quando Trigueirinho decide fazer Bahia de Todos os Santos, o crítico Glauber Rocha suspeita da sinceridade das suas intenções de imprimir em sua obra uma imagem da cultura local, nada mais natural tomando-se em consideração a cautela que se tinha em relação ao olhar do “estrangeiro”, afinal, a Bahia não é só paisagem e sol todo o ano, é uma terra de relações culturais e sociais muito mais complexas que clamam por sua reverberação. Suspeita superada, Glauber depois de ver o filme pronto define-o como um filme de autor, que rompia com o cinema tradicional do Brasil da época (caracterizado pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz), trilhando um caminho já aberto por Nelson Pereira dos Santos em Rio, 40 Graus e Rio Zona Norte.

O longa conta a história de um grupo de amigos que vivem de pequenos furtos e da pescaria. Personagem chave deste grupo é Tônio (Jurandir Pimentel), um homem dual, as suas ambigüidades permeiam todo o filme. Ele
é negro para os brancos e branco para os negros; odeia as lembranças de um pai, mas não admite que lhe digam que não tem pai; vive um relacionamento amoroso que não lhe satisfaz, mas não é capaz de deixá-lo, em suma, um personagem complexo, nada de maniqueísmo.

O filme se passa na década de 1940, numa Bahia (Brasil em geral) em plena vigência do Estado Novo getulista. Nas ruas o que se estabelece é a ordem repressiva e todo movimento identificado como desestabilizador deste sistema é reprimido. Os sindicatos se organizam, há um intenso movimento, o grupo de amigos de Tônio partici
pa ativamente do levante grevista, num dos conflitos com a policia acontece a morte de um deles e um policial é ferido, está instalada a crise, os grevistas serão perseguidos. A amante de Tônio quer afastá-lo dos companheiros de movimento, ele não quer e termina por roubar os pertences dela para ajudar os perseguidos. Ela o denuncia e ele acaba preso.

Outro ponto importante e que permeia todo o filme é o desejo latente de buscar uma vida em outro Estado, e o Rio de Janeiro, então Capital Federal, era tida como o lugar das oportunidades. O sonho de ir embora é mais forte, Tônio não acredita que possa progredir aqui na Bahia, terra atrasada. A questão do candomblé como uma religião marginalizada também é abarcada pela fita. O terreiro é visto como um lugar onde habitam pessoas fortes, com valores de solidariedade e resistência.

Os elementos autênticos da Bahia, a representação dos nativos nos tipos colhidos nas ruas da própria cidade de Salvador é a identidade deste filme. Negros, as gentes do porto, os candomblés, soldados, compõem o cenário soteropolitano visto por Trigueirinho.

domingo, 15 de abril de 2007

Cinema Baiano: itinerário em Ciclos

Brasil, 1896, chega a novidade do século XIX, o cinematógrafo. Primordialmente como produto de exibição, as imagens em movimento começam a ser registradas (produzidas) aqui em 1898 quando, voltando de uma viagem à Paris, um dos irmãos Segreto resolve apontar o visor da câmera para a Baía de Guanabara e fixar as primeiras notícias em nitrato de prata de que se tem conhecimento em território brasileiro. A partir desse momento, começa a aventura do Cinema Nacional. Logo a novidade se espalha.

Bahia: apesar das primeiras imagens do cinematógrafo serem produzidas no Rio de Janeiro, então Capital Federal, o cinema expande-se por uma parte significativa do país. A Bahia assiste ao despontar da novidade em 1897, trazido por Dionísio Costa, após uma viajem feita à França, apenas um ano depois de sua chegada no Rio de Janeiro e distante dois anos da sessão pioneira dos irmãos Lumière em Paris. Estamos tão longe assim de um mundo globalizado?

O cinema aqui em Salvador ganha uma grande repercussão sobre os hábitos da cidade. A novidade ganha o gosto da população local e vai surtir “impacto” na vida provinciana de uma Bahia apegada às tradições. Concentradas no centro da cidade (rua Chile, Praça Castro Alves, Baixa dos Sapateiros etc), as salas de cinema vão ser o cenário mais badalado da ex-Capital federal. A província estava em vias de modernização. O cinema será incluindo como uma das práticas de lazer do lugar e as fitas vão ser instrumento muito utilizado como parte de uma reforma social: o embranquecimento da população urbana, com a transformação das práticas tradicionais de lazer africanizadas por outras consideradas civilizadas. Porém, muito menos como produto dos próprios realizadores locais e muito mais como produto de exibição vindo de fora, o cinema inicialmente sobrevive através de circos, feiras de exposições, residências, parques de diversões até a abertura de salas próprias para sua exibição, ele era um dos tipos de lazer popular do período.

É somente em 1910 que se verão as primeiras imagens realizadas por baianos. Diomedes Gramacho e José Dias da Costa, pioneiros das imagens em movimento aqui na Bahia apresentam duas obras cinematográficas, Segunda-Feira do Bonfim e Regatas da Bahia, filmes de curta duração no estilo das atualidades (filmes de registro do cotidiano e de determinados aspectos locais de uma cidade ou região). A dupla Gramacho-Costa torna-se o mais conhecido núcleo de produção em Salvador. Ainda na década de 1920, nasce a primeira revista de cinema da Bahia, Artes & Artistas, editada entre 1920 e 1922, por Arthur Arezio da Fonseca. A revista chega ao público semanalmente e é toda dedicada ao cinema, segundo Walter da Silveira, a primeira do Brasil. “Seus editores Fonseca & Filhos, num rasgo de perseverança provinciana, levaram a sua publicação até 1922, quando saiu o último número, o 72 da coleção. Quem leia hoje Artes e artistas, sobretudo sabendo que somente na mesma fase se organizavam e definiam na Europa, a crítica cinematográfica e as revistas sobre filmes, não pode deixar de reconhecer que, malgrado muitas ingenuidades, se encontram nas suas páginas uma enorme fonte de revelações sobre o que representava, na ocasião, o cinema como fenômeno estético e econômico” (SETARO, 1976).

Nos anos 30 surge o documentarista Alexandre Robatto Filho, principal nome do cinema baiano até a década de 1950. Robatto produziu filmes de extrema importância para o inventário cinematográfico do Estado. Começam suas realizações ainda no final da década de 1930, produzindo uma série de fitas que se prestavam a focalizar aspectos importantes da paisagem e dos costumes da cidade de Salvador, filmes que flagravam as tradições e festas populares, o folclore e a arte da terra. Boa parte desses filmes, realizados na década de 1940, possui considerável valor histórico: Quatro séculos em desfile, registro do aniversário da Cidade de Salvador; Entre o mar e o tendal, realizado ente 1951/52, curta-metragem documental (19 minutos), sobre a pesca do xaréu, de grande relevo para o cinema baiano, ele conta a história de como as armações de baleias viraram redes de xaréu. Desta fita, foi feita uma remontagem mais estilizante pelo próprio Robatto, reduzida para 10 minutos, nasceu então, Xaréu. Muitos outros filmes de total importância documentária, histórica e pioneira, foram realizados por Robatto, este cineasta explorador, que tinha como grande interesse fotografar em movimento, registrar. Os filmes de Robatto podem ser considerados um dos parâmetros para a atitude do cinema baiano frente aos temas que deveriam ser tratados: um caminho que valorizasse as imagens do popular, da cultura particular do lugar, uma relação intima com o imaginário do local de onde emergia.

A partir da segunda metade dos anos 1950 surge uma nova geração de realizadores que passa a produzir em território baiano, entre outros, Luiz Paulino dos Santos, Glauber Rocha e Roberto Pires. O primeiro dirige, em 1959, o curta-metragem Um Dia na Rampa, sobre um dia de movimentação na rampa dos saveiros em frente ao Mercado Modelo em Salvador e sua paisagem social. Roberto Pires assina o primeiro longa-metragem baiano no mesmo ano, Redenção, filme responsável por consolidar o grupo de cineastas e produtores quem culminaria o Ciclo Baiano de Cinema, um dos pontos de partida, segundo alguns estudiosos, para a posterior formulação do Cinema Novo brasileiro. Glauber Rocha, cineasta fundamental para a compreensão do cinema nacional e talvez o diretor brasileiro de maior reconhecimento internacional, lança em 1961, seu primeiro longa-metragem, Barravento, que mergulha nas tradições locais, pondo em foco a pesca artesanal e os rituais religiosos afro-baianos com o pano de fundo dos exuberantes cenários naturais do litoral da região metropolitana de Salvador. Ao lado de O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte, Barravento projetou a Bahia na esfera do cinema internacional do início da década de 1960 ao conquistar prêmios em festivais europeus.

A produção intensifica-se na primeira metade da década de 1960 com A Grande Feira e Tocaia no Asfalto, ambos de Roberto Pires, além de outros títulos importantes realizados por não-baianos, dentre outros, Bahia de Todos os Santos (1960), de Trigueirinho Neto, e Mandacaru Vermelho (1961), de Nelson Pereira dos Santos. O Ciclo Baiano de Cinema, que pretendia transformar Salvador em verdadeiro centro produtor de filmes, foi um aglutinador de figuras em torno da produção cinematográfica na Bahia e contou com a participação não apenas dos realizadores daqui, mas de outros lugares do país e até estrangeiros, que viam nestas plagas a possibilidade de criação um cinema autêntico, vinculado à história social de seu povo - principal fonte para o cinema que desponta após a Segunda Guerra Mundial nos paises abalados e subdesenvolvidos. A Bahia ficou conhecida como a meca do cinema brasileiro, tamanha a atividade de produção aqui verificada. Porém, esse movimento não tem sustentação e o permanente estado sazonal da cinematografia brasileira faz-se presente. A agitação, que tem como principal agente fomentador das produções o empresário Rex Schindler, não agüentou o insucesso financeiro, a dificuldade de distribuição e as barreiras encontradas para que as fitas fossem exibidas no mercado nacional. Segundo Schindler, “o que determinou a interrupção da produção de filmes foi a falta de experiência no que diz respeito à distribuição para a volta de dinheiro investido em tempo útil a fim de ser reinvestido em novas produções” (SETARO, 1976). O cinema local de repente parou.

Após um período de retrocesso, há uma retomada no processo de produção a partir de 1967, com a realização de alguns curtas. O curso rápido de cinema da Escola de Sociologia e Política, idealizada por Carlos Athayde e situada à Ladeira da Barra, dá origem ao GIC - Grupo de Iniciação ao Cinema, agrupamento de jovens apreciadores da sétima arte, que se reuniam para o debate em torno da possibilidade de se retomar a feitura de cinema em Salvador. Surge então, Perâmbulo, direção de José Umberto. Logo depois, a eclosão do Ciclo Marginal, em 1969, com Meteorango Kid, o Herói Intergaláctico, de André Luiz Oliveira. O chamado Cinema Marginal, do fim dos anos 60, buscava inspiração na antropofagia de Oswald de Andrade. Tratava-se de absorver a influência estrangeira e responder criativamente. O ciclo segue com Caveira, My Friend, de Álvaro Guimarães, Akpalô, de José Frazão e Deolindo Checcucci, além do inédito e desaparecido A Construção da Morte, de Orlando Senna, até ser substituído pelo curtametragismo da década de 1970 com os filmes na bitola Super-8. Ao longo da década, o Super-8 gerou mais de 200 curta-metragens, sendo que muitos destes circularam nas Jornadas de Cinema organizadas por Guido Araújo a partir de 1973. As Jornadas foram uma vitrine para a produção do filme curto local. A tentativa é fomentar a produção baiana e dar a possibilidade ao público ver as produções. Como ponto de encontro dos realizadores, foi importante não apenas como palco para a exibição dos filmes, mas um fórum para a discussão em torno do filme de curta-metragem e é grande acolhedor dos realizadores na bitola Super-8. Edgard Navarro (Rei do Cagaço, 1977), Pola Ribeiro (A Conversa, 1975) e José Araripe Jr. estão entre os realizadores que se iniciam na prática audiovisual por meio do Super-8. A pequena bitola divide a cena com obras de destaque realizadas em 16mm e 35mm, a exemplo dos curtas O Boca do Inferno, de Agnaldo Siri Azevedo e Comunidade do Maciel, de Tuna Espinheira e do longa-metragem O Anjo Negro, de José Umberto Dias.

Na década seguinte, a produção cai drasticamente, contabilizando-se poucos títulos, entre os quais o curta-metragem Porta de Fogo (84), de Edgard Navarro sobre o guerrilheiro Lamarca. Os filmes de média-metragem de Navarro, Superoutro (1989) e Pola Ribeiro, A Lenda do Pai Inácio (1987), além do longa O Mágico e o Delegado, de Fernando Coni Campos.

Nos anos 90, tomou posse na presidência da República, Fernando Collor de Mello, que extinguiu a Embrafilme e outros mecanismos de incentivo, mergulhando o cinema brasileiro em sua maior crise histórica. Quatro anos: total paralisação na produção de longas-metragens. Na Bahia, a produção em vídeo dá movimento a mais uma safra de jovens realizadores (Marcondes Dourado e Lula Oliveira), invariavelmente com trabalhos de curta duração. Na bitola de 35mm, poucos curtas são realizados (Mr. Abrakadabra, de José Araripe, o mais destacado), além do longa em episódios, Três Histórias da Bahia, de Edyala Yglesias, José Araripe Jr. e Sérgio Machado, lançado somente em 2001. Nos últimos cinco anos, a produção em longa-metragem volta a crescer, com quatro filmes realizados, Eu Me Lembro (2004), de Edgard Navarro (grande vencedor do 38º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, recebendo seis troféus Candango), Samba Riachão (2001), de Jorge Alfredo (ganhou três Candangos, no Festival de Brasília), Esses Moços (2004), de José Araripe Jr. e Cascalho (2004), de Tuna Espinheira e além de mais quatro a serem rodados até o fim de 2006: os longas Pau Brasil, de Fernando Bélens, Jardim das Folhas Sagradas, de Pola Ribeiro, Estranhos, de Paulo Alcântara e Revoada, de Zé Umberto.

domingo, 8 de abril de 2007

O Ciclo Baiano de Cinema

A agitação cinematográfica verificada na Bahia no final da década de 1950 e início da década de 1960 tem a ver com um clima favorável no contexto sociocultural local. O fomento na cultura do lugar, diretamente vinculado ao impulso dado pela política da Universidade da Bahia (hoje Universidade Federal da Bahia) no campo das artes; à criação do Museu de Arte Moderna da Bahia; aos debates nos Suplementos Literários em jornais e à criação do Clube de Cinema da Bahia liderado por Walter da Silveira, desponta como o grande carro-chefe de um clima efervescente, que coloca a Bahia num patamar privilegiado dentro do cenário cultural do país. Fora do campo universitário, o cinema, no entanto, teve que se articular em outros espaços, sobressaindo-se como um dos traços mais marcantes nas artes da Bahia no período. O Ciclo Baiano de Cinema, movimento ocorrido entre 1958 e 1962, está imerso nesta nova atmosfera. Sua estética está intimamente relacionada com o enquadramento das aspirações dos movimentos sociais de sua época.

A forte crença dos realizadores na arte cinematográfica, aliada a uma prática atuante no campo da política, deu a esses filmes um tom de manifesto. Estes realizadores, baseados nas idéias ainda quentes do neo-realismo do cinema italiano, ensaiaram um movimento no qual a representação do drama do povo baiano, sofrido e faminto, seria a principal expressão de seus filmes. Os temas tratados eram sempre relacionados às problemáticas que envolviam a vida e o cotidiano das classes brasileiras marginalizadas (a comunidade negra, a religião do candomblé, os pescadores, as prostitutas etc.), principal enfoque nas estéticas que surgem nas artes logo após a 2ª. Guerra Mundial. A preocupação com a impressão do social transforma-se também aqui na Bahia em uma característica forte na construção do discurso fílmico, procurando instituir um clima no qual o público baiano, principal horizonte dos filmes, pudesse reconhecer-se como parte daquela história que se passava no écran cinematográfico, dando ao cinema baiano uma nova “beleza”: uma forma de realizar filmes com conteúdos que afirmem a significação cultural brasileira e que discutam a realidade social de seu povo. Na tela, o que se vê são rostos e peles até então improváveis de aparecerem em filmes tradicionais. Em Bahia de Todos os Santos (Trigueirinho Neto, 1960), o conflito do negro consigo é revelado a partir da não-aceitação de Tônio (Jurandir Pimentel) a sua cor e aos seus laços de maternidade; em Barravento (Glauber Rocha, 1961), a submissão dos pescadores aos cânones de uma religião é perturbada pelo revolucionário Firmino (Antônio Luís Sampaio/Antônio Pitanga); A Grande Feira (Roberto Pires, 1961) traz a discussão da problemática da feira de Água de Meninos, "assunto então muito presente na vida local, um dos graves problemas urbanos que necessitava de solução urgente, pois envergonhava a cidade e poderia, inclusive, inviabilizar o seu projeto turístico" (CARVALHO, 2003). Em suma, propunha-se que o cinema ajudasse a formar uma nova cultura, apoiando-se na preexistente para enriquecê-la e transformá-la, tendo a arte como uma forma de qualificação das massas. Todos estes planos fazem parte de um conjunto de idéias que estavam sendo formuladas nos Congressos de Cinema Brasileiro ocorridos no Rio e São Paulo nos anos de 1952 e 1953.

Sintoma de uma insatisfação no cinema nacional, é nestes Congressos que se começa a elaboração de uma nova percepção sobre a aparência e conteúdo dos filmes brasileiros. Neles, é constatada a eterna e sempre recorrente dificuldade da produção nacional transitar por todas as etapas da circulação fílmica – Produção, Distribuição e Exibição, um triângulo, cujos vértices nem sempre estão interligados. Nos Congressos, propunha-se um novo parâmetro para a feitura de filmes, modelo que estaria mais condizente com a real situação econômica de um país subdesenvolvido como o Brasil, tencionando a produção de um cinema brasileiro dito autêntico. Esses filmes deveriam ser feitos nas ruas, dispensando os estúdios e revelando a paisagem social do lugar; o povo é quem deveria ser descrito; a produção deveria ser artesanal de orçamento baixo, sem todo o aparato tecnológico que caracterizava o cinema industrial; em diálogo com o imaginário simbólico e cultural do Brasil, os filmes deveriam ser obras de arte críticas.

A produção de filmes é, para estes realizadores, inseparável do desejo de participação cultural e social na vida da comunidade e do anseio de expressão artística pessoal. Neste momento de debate em torno do cinema na Bahia surge, também, a questão da autoria. Os filmes deveriam, além de expressar a realidade do mundo que estava a sua volta, revelar uma “escrita” própria do realizador, imprimindo uma poética particular de cada autor. Esboço de uma “estética da fome” ulterior, o Ciclo inova com seus longas-metragens.

Inserido num contexto da política desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek, o cinema da Bahia passeia por uma crença na possibilidade de se criar aqui um clima propício para a efetivação de uma Escola Baiana de Cinema, uma verdadeira indústria para a feitura de filmes com caráter diferenciado, espelho de sua sociedade.

Referências bibliográficas

CARVALHO, Maria do Socorro Silva. A Nova Onda Baiana – Cinema na Bahia 1958/1962. Salvador: EDUFBA, 2003.

SETARO, André. Novo Cinema Baiano. Texto para o catálogo da mostra homônima, de 24 a 28 de maio de 1976. Salvador: Biblioteca Central do Estado. Barris. 54 p.

____________. Nascimento do Surto Contracultural. In: Revista da Bahia. Edição especial: Cinema, 1995. p. 20-43.

____________. Enciclopédia do Cinema Brasileiro. Org.: Fernão Ramos e Luiz Felipe Miranda. São Paulo: Editora Senac, 2000. p. 135/136 e 429.

Bahia Cinematográfica

Pesquisa de Iniciação Científica: Bahia Cinematográfica – Levantamento da Produção Audiovisual Baiana